quinta-feira, 6 de maio de 2010

Falando Grego

Em 2002 fui à Atenas e escrevi um artigo para a Revista 00.
Perguntei a um entrevistado porque os gregos "eram trágicos" e ele respondeu: somos (na época!): somos trágicos porque devemos muito dinheiro!
mas em 2002 a atmosfera era pré-olimpíadas (atenção!) e o otimismo estava no ar...
8 anos depois o país vive um tragédia grega assustando o mundo.

Saudades dessa viagem. Aqui o meu diário publicado na época:

*

Falando Grego

Atenas, 28 de outubro, feriado. Desfile militar na Avenida Panepistimiou, com duas estudantes:

- Vocês estão comemorando o quê?
- O Não!
- Como assim?
- Hoje é o “dia do não”. Em 1940, Mussolini queria que a Grécia se rendesse. O primeiro-ministro grego enviou uma resposta clara: “Não!...” E desde então, não tem aula no dia 28 de outubro, temos que desfilar na parada e depois, dia livre...
- E vocês vão fazer o quê? O que se faz num feriado em Atenas?
- Nada. Hoje é o “dia do não”. Dia de se fazer nada.

1. Entre o mar e a terra, entre a loucura e a razão, os gregos cultivam o “dolce far niente”. Irene, uniformizada para o evento, ironiza: “É por isso que inventamos a filosofia e a mitologia – porque não temos nada para fazer... e o clima ajuda...”.

Na Acrópole, com um policial:

- Posso tirar uma foto sua?
- Por quê?
- Queria mostrar alguma coisa daqui que não fosse muito turística...
- Mas o Pártenon é muito bonito... tem que mostrar para todo mundo. Nós gostamos muito dele. No grande terremoto, em 99, todos os filhos que estavam no estrangeiro ligaram para os pais para saber se estava tudo bem e depois perguntavam aflitos: E o Pártenon? Ele está de pé?

1. O guarda, ao mesmo tempo em que diz que não pode ser fotografado, posa para a câmera mostrando suas tatuagens. A discussão entre o direito e o dever, entre o público e o privado... Tudo passou por aqui – bem aqui, ao lado da barraquinha de souvenires – cinco séculos antes de Cristo.

2. Sim, o templo de Atenas está de pé há muitos e muitos séculos. Além de representar a glória perdida de um império, esse monumento ao equilíbrio e à simetria, situado numa colina no centro de Atenas, é hoje uma babel de turistas que se equilibram em escadas escorregadias, polidas por milhares de tênis Nike e sandálias Birkenstock. A Acrópole, com seus templos e teatros, sobreviveu a guerras, saques e ao monóxido de carbono. É uma ruína, e, como toda ruína, é triste. Mesmo que passe por você um grupo de japoneses sorrindo, felizes, levando para casa em imagens digitais um pouco desse testemunho da breve história do nosso tempo.

“... Atenas, então, desapareceu, voltando para o Olimpo, onde se diz que os deuses, longe de todo movimento, mantêm seu trono eterno: nem os ventos sopram, nem a chuva molha, lá em cima, nada de neve, e, a todo momento, o céu sublime, limpo, coroando o cume de uma branca luz: é lá em cima que os deuses usufruem da felicidade e da alegria dos dias; é para lá que voltava a deusa...” ( Odisséia, VI )

No penhasco de Vouliagmeni, com um banhista (nu):

- Por favor, desculpe incomodar, estamos fotografando para uma revista no Brasil... Já que está sem roupa, você se importaria de mergulhar e recolher aqueles dois sacos plásticos e aquela garrafa que estão boiando? Vão ficar feios na foto...
- Claro. Mas eu não quero ser fotografado... Esse canto da praia é de nudismo e tirar foto é sujeira...
- Pode deixar. É só uma foto do mar e a gente vai embora. Eu vou ficar ali. Atrás daquele carro.
- É uma revista gay?
- Moda.
- Não é o melhor lugar para fazer uma foto de moda, não acha?
- Tem razão.

1. Nesse canto de Atenas, especialmente nesse penhasco, homens nus passeiam pelas pedras ou ficam ao sol, de pé, qual figura de um mosaico antigo. Séculos atrás, dizem, militares e filósofos faziam o mesmo, numa prática que muito depois ganhou o arco-íris como símbolo. O poeta Plutarco cantava, alguns anos depois de Cristo: “Amarás os efebos até que um pêlo escasso lhes forme uma barba, até lá aproveite de seu doce vigor e de seus músculos”.
A Grécia oferece outro ícone da cultura GLS: no mar Egeu, na costa da Turquia, está a ilha grega de Lesbos, terra da musa Safo, alegoria e símbolo do lesbianismo.
Mas nem tudo era cor-de-rosa na Grécia antiga, já que essas práticas eram louvadas mas também condenadas.O filósofo Platão, por exemplo, era do contra: “Quem, em sã consciência, poderia promulgar uma lei que proteja tal conduta?”. Mas não há dúvidas: a estética, a iconografia e o imaginário gay relacionam-se diretamente com a cultura grega clássica, seja nas colunas coríntias de uma sauna em Hong Kong, ou na decoração à lá Versace de uma boate simpatizante qualquer em Aracaju.

Na beira da praia com Thanassis:

- Estou treinando. Para as Olimpíadas... Atletismo.
- Você vai competir?
- Eu treino todo dia.
- E o que mais?
- Rock na sexta à noite.

1. Thanassis e um contingente de gregos estão treinando para as próximas Olimpíadas em 2004. A capital Atenas está sendo toda remodelada. Um novo aeroporto, novas avenidas e mais estações de metrô, apesar das lentas escavações que esbarram a toda hora em tesouros arqueológicos. Os gregos aguardam o evento como uma salvação econômica. Eles inventaram as Olimpíadas e agora a gigantesca indústria do esporte está reinventando o país.

No Mercado Central de Peixes, com Dimitri, peixeiro:

- Vai levar?
- Não, estou só olhando...
- Leve um inteiro, pesquei ontem...
- Não tenho onde cozinhar...
- Passe aqui amanhã. Eu vendo ele assado e ainda trago umas batatas...

1. No Mercado, inicie uma viagem sensorial: primeiro prove figos, ameixas, damascos. Feche os olhos e ouça os gritos: Calamares!!! Siga adiante. Peixes e crustáceos dispostos sobre o gelo, cercados de flores de plástico.
O oceano multiplicado aos berros. Entre como num baile de carnaval antigo e seja levado por um fluxo de compradores de restaurantes, donas de casa enlutadas, turistas e moradores buscando a pesca do almoço. Os vendedores com narizes imponentes seguram cigarros e polvos. Ulisses está ali, em todos eles, voltando vitorioso de Ítaca. E Penélope em casa, esperando pro jantar.

Na galeria de Arte Rebecca Camhi, com a própria:

- Alô? Poderia falar com a Rebecca...
- É ela.
- Eu estou fazendo uma matéria sobre Atenas e gostaria de...
- Vem tomar um café gelado...agora.

1. A Galeria Rebecca Camhi é um dos lugares mais simpáticos de Atenas. Ela fica no alto de um prédio dos anos 30. As festas no terraço são famosas e dele temos uma das mais belas vistas da Acrópole. Rebecca criou um similar do Soho nova-iorquino em Atenas quando, em 1995, voltando de uma década parisiense, inaugurou a sua galeria ao lado do Mercado Central. Ela apresenta artistas contemporâneos gregos e internacionais, mixando Nan Goldin com Konstantin Kakanias, Nobuyoshi Araki com Miltos Manetas.

2. Konstantin Kakanias: artista grego, freqüenta as páginas da Vogue América e do New York Times Magazine com suas ilustrações e personagens que ironizam o mundo do consumo e das artes plásticas. Sua personagem, Mrs. Tependris, traveste-se nos artistas mais vistos da cena contemporânea, numa viagem hilária entre a futilidade e as artes. Ele encanta vários públicos, de Nan Goldin a Diane von Fustenberg. Estudou moda em Paris e desenhou tecidos para Lacroix e mules para Louboutin. Seus mais recentes óleos são fruto de uma visita a Naxos, a maior das ilhas Cíclades, onde, perdido numa noite, avistou diversas borboletas. Esta mágica visão está hoje em galerias de Nova York e Los Angeles. Como não é uma exceção entre os gregos, Kakanias foi fazer sucesso no estrangeiro, mora em Hollywood, e quando está em Atenas é visto na Galeria Rebecca Camhi. Na entrada da galeria, pintada enorme na parede, uma caricatura de sua personagem, Mrs Tependris, e a legenda: “... But, who is this woman?”.

No hall do Hotel Royal Olimpic, com um padre ortodoxo:

- O senhor está hospedado aqui?
- Sim, eu sou da Igreja Ortodoxa da Armênia... do Líbano...
- !!!
- Viemos para inaugurar uma exposição... dos nossos tesouros.
- !!!
- Você é de que religião?
- Católico...
- Deus te abençoe...

1.Sim, são muito religiosos. Muito. Dentro de um ônibus, passando diante de uma igreja, todos os passageiros do ônibus lotado, incluindo o motorista, fazem o sinal-da-cruz. A menina cheia de sacolas, o cara de AllStar, o homem no celular, todos dizem Amém.

2. Na pequena igreja ortodoxa da Avenida Athinas entra uma senhora, beija a imagem da Virgem como quem cumprimenta uma amiga que não via há anos. Sai. Me aproximo da imagem, e vejo o vidro que protege a Santa com inúmeras marcas de batom. Reparo em outras imagens da igreja e todas elas têm estalada na bochecha uma marca de batom.

Na casa do poeta Yòrgos Chronas, com o próprio:

- O grego é trágico?
- Sim.
- Por quê?
- Porque o grego deve muito dinheiro. Todo mundo aqui deve aos bancos. A verdadeira tragédia, tragédia moderna, é econômica. Mas o grego é otimista... e melancólico e alegre... e barulhento e calado... e otimista, sempre otimista.

1. Yòrgos Chronas é poeta numa terra que valoriza a língua e a palavra. Livrarias, editoras e publicações fervilham na língua mãe da literatura. Yòrgos é traduzido para o inglês e o francês. Sua poesia marginal celebra uma Grécia urbana e underground numa linguagem coloquial e direta. Por intermédio de personagens como James Dean e Marilyn Monroe, e cenários como um cabaré de Atenas ou um cinema pornô de Nova York, a poesia grega contemporânea encontra tradução. Se Homero hoje reescreve sua Odisséia, talvez Ulisses dissesse como um personagem de Chronas: “Tatue no meu corpo a comunhão do jazz, do rock, do hasch e dos barbitúricos / Tatue no meu corpo as poluições noturnas dos gays de Kinsey e das putas de Nova York / Tatue no meu corpo essa senhora na TV que diz: prefira os cogumelos do Tibete, quarta-feira, ao jantar”.
Chronas foi aluno de Yannis Tsarouhis, um dos pintores gregos mais importantes, morto em 1989. Na foto, vemos o reflexo do aluno no quadro do mestre.

2. Influenciado por Matisse, Tsarouhis desenhou uniformes para os jogos olímpicos e, depois de servir na Segunda Guerra, fez numerosos esboços de soldados, seu tema favorito. Buscou nas suas pinturas um traço e um estilo gregos. Encontrou-os ao desenhar soldados, uma continuação da adoração grega da imagem do homem.

No café Food Company, com Angelos Frentzos:

- Quando você está longe e pensa na Grécia, qual a primeira imagem?
- A Acrópole...
- Engraçado. Todos, sem exceção, me responderam o mar...
- Também.
- Por que você gosta de fazer moda?
- Porque tudo muda, a cada seis meses.

1. O grego Jean Desses , nos anos 50, desenhava para Guy Laroche e, depois dele, outros gregos despontaram no cenário internacional da moda. Mas nas últimas temporadas, dois nomes levaram a Grécia para o Olimpo: Sofia Kokosalaki, que na Fashion Week londrina desfilou uma coleção que passeia entre a arte bizantina a ilha de Creta, embalada pelo rock e pelo dark. O outro grego é esse que nos ofereceu um dos melhores cheesecakes de Atenas, quiçá do planeta: Angelos Frentzos, que, em Milão, desenhando para a tradicional marca italiana Alma, apresentou uma coleção com referências vagamente militares. Segundo ele, toda a estética grega influencia seu desenho: “Drapeados, bordados e Plissés – eu passo por tudo isso, mas preto, muito preto”. Frentzos, além de manter a base em Milão, em breve irá para Paris desenhar a linha homem de YSL... Não esquecer do stylist baseado em Londres, Panos Yipanis, que já trabalhou no Brasil e está na famosa lista da The Face, de pessoas que realmente contam no panorama da moda atual.

2. A Grécia é um dos lugares que mais enviam seus filhos para trabalhar e estudar em outros países. “Somos um país pobre”, diz o garçom. Angelos completa: “Para se trabalho acontecer, você tem que sair daqui”. Eles vão embora, sim, mas levam na bagagem uma cultura e uma força admiráveis. Uns negam o folclore e tentam ser internacionais, outros tentam mesclar informações regionais com uma neutralidade cosmopolita, outros ainda exploram o “helenismo” como trunfo. Mas têm uma coisa em comum: todos adoram voltar.

3. Estar na Grécia evoca constantemente uma dualidade: a permanência e o fugaz. O eterno e o supérfluo. Essa evocação traduz o Zeitgeist: tudo se transforma velozmente, mas alguma coisa permanece, referência e âncora. Para nossa cultura, a Grécia é porto seguro. Ou a primeira areia movediça.

Em Pireus, com Laura de Nigris:

- “Den kariesa!”
- O que quer dizer?
- Não se canse... Eles repetem isso o tempo todo: não se canse. Essa é a regra aqui: relaxe e aproveite... tome um café gelado... olhe o mar... é isso que os gregos gostam de fazer... eles não gostam de trabalhar... mas quando trabalham, fazem coisas maravilhosas.

1. Alguns anos atrás você a veria trabalhando como atriz numa novela grega, no papel de uma milionária que só se vestia com roupas Pucci. Volte mais um pouco no tempo e veja Paco Rabanne chamando-a de “ma petite” um pouco antes de entrar na passarela em Paris. Hoje, depois de uma curta e animada carreira de modelo que começou como fotógrafa em São Paulo, a paulista Laura de Nigris Já tem 20 anos de Grécia na bagagem. Ela deu o pontapé inicial há alguns anos no mercado de revistas de moda na Grécia e circula entre o gregos falando a língua deles. Isso quando não está na Índia com seu guru, Sai Baba. Laura prefere passar o verão no Brasil, no Copacabana Palace no Rio: “Sai mais barato do que ir pra Mikonos...”.

Na mercearia, com Luca:

- Onde você comprou essa camiseta?
- É do exército grego.
- Quanto é o azeite?
- Pode levar. Presente para o Brasil.

1. Em Atenas , quase todos falam inglês. Habituados a morar no estrangeiro e a receber milhares de turistas por ano, o grego é apegado às suas tradições, religião, língua e cultura. São conscientes da própria fraqueza econômica, do potencial turístico e do passado glorioso. Eles não fabricam carros, e sim azeite. Mas “já demos muito ao mundo”, diz o florista da banca ao lado, “agora, já podemos descansar”. Grande parte da população ativa se espalha pelo planeta. É o típico imigrante grego, mão-de-obra barata, aquele que vai trabalhar em fábricas de países ricos ou em algum restaurante de um parente que partiu fugindo de uma das inúmeras guerras da história grega recente. Há também aqueles que partiram para estudar e se formar, como o arquiteto Andréas Angelidakis, que por meio de teorias e projetos, alguns virtuais e outros concretos, hasteia a bandeira grega na cena internacional.
Angelidakis colaborou para a revista nova-iorquina Visionaire, e seus textos podem ser lidos com freqüência na francesa PurpleProse. É um teórico da arquitetura e vai de uma bienal para outra, de uma universidade na Alemanha para uma galeria na Holanda, mostrando seus projetos conceituais, que podem ser infláveis, maquetes ou até mesmo um prédio. “A arquitetura é a melhor ferramenta da realidade.”

Num set de fotografias, com Mara de Massis:

- Tem alguma diferença trabalhar aqui ou em outro lugar?
- Nada. Tudo igual. A única coisa: eu quero envelhecer aqui...

1. A editora de moda Sandy Tsantaki não concordaria muito com Mara de Massis, uma modelo que trocou de posto e virou fotógrafa de moda. Para Sandy, a moda grega caminha com dificuldade, apesar de estar exportando nomes em profusão. “Não temos tecidos, não temos uma semana de moda, mas temos muitos nomes...” Como, por exemplo, Cristos Veludakis, que dirige uma escola de moda com mais de 250 alunos, por onde passou Sofia Kokosalaki. Veludakis tem loja em Kolonaki, e está em mais de 70 pontos na Grécia. Sandy continua: “Para montar um editorial, tenho que recorrer a peças de designers estrangeiros e misturar a produção local com o que está na passarela do grande eixo”. Sandy viaja pelo circuito das semanas de moda do planeta e fala com entusiasmo da moda local, apesar dos problemas: “Tudo está mudando”.

2. Em Kolonaki, bairro nobre de Atenas, você vai encontrar todas as grandes marcas e as mais obscuras marcas londrinas. Pode comprar um romance italiano numa livraria especializada ou um CD da Colette pelos mesmos euros parisienses. Pode visitar uma exposição no Museu nacional de arte Contemporânea onde, através de esculturas, vídeos e instalações, as relações entre religião e arte são traduzidos por artistas gregos como Dimitris Alithinos ou estrangeiros como Bill Viola e Mariko Mori. Pode comprar o jornal de domingo, ver as fotos nos inúmeros suplementos, tentar entender o horário do filme – e não conseguir. Ficar olhando famílias inteiras em trajes dominicais, senhoras com esmeraldas nos dedos, penteados e laquês inesquecíveis, rapazes de mocassim... Todos se cumprimentam. Bebem Oyzo (diga uzo). Anoitece em kolonaki e o público familiar começa a mesclar-se com um outro grupo, menos prosaico: dealers e usuários de heroína. A droga vinda do oriente tem na Grécia a porta de entrada para a Europa. Programas governamentais e campanhas tentam conter o estrago, mas a polícia nada vê, a dois passos do elegante apartamento do presidente.

No ônibus, com o motorista:

- Aqui é o centro?
- centro de onde?
- Da cidade?
- Que cidade?
- Atenas...
- Não. Esse ônibus já saiu de Atenas há 15 minutos. Aqui é Pireus...

1. Veja os ônibus pintados com enormes bolas verdes passando pelo caótico trânsito da cidade, eles têm pinturas inconfundíveis. Foram criadas pelo designer Yannis Tseklenis, que nasceu em Atenas em 1937. Foi ele que trouxe para a Grécia o design contemporâneo e que levou para o mundo um olhar moderno sobre a clássica cultura grega, explorando detalhes ornamentais gregos antes daquele que o faria de forma marcante: o calabrês Gianni Versace. Tseklenis é fonte inesgotável de idéias e trabalhos, porém um câncer em 1977 amputou-lhe um braço. Mesmo assim, num vai-e-vem de sucessos e fracassos, lojas com sua marca foram abertas em Nova York, Londres e mais 20 capitais pelo mundo. Decorou catedrais para casamentos reais e fez cinema. Desenhou interiores de aviões, uniformes de tripulações, roupas íntimas, cerâmicas, roupas de cama, hotéis inteiros e mobiliário urbano, marcando sua assinatura com perseverança e inventividade.

2. Pireus na é Atenas. É do lado. É onde ficam o porto e as marinas mais cobiçadas. “Nunca aos Domingos” foi filmado ali. Iates imensos com bandeiras de vários países aguardam seus proprietários milionários ruma às ilhas privadas e mansões típicas de uma aventura de James Bond. Seguir o fluxo: tomar mais um café gelado na marina Zeas. Depois voltar para Atenas e passar pelo café Mommy. Comprer um CD de Mikael Delta, músico grego de electro-pop, lançado pelo label francês Distance Rec. Ler a revista Ozon, guia de programação e atualidades, edição bilíngüe em grego e em inglês (Eba!). A revista é editada por uma raro grupo de jovens animados que não foi para Londres. Ir jantar no The Sesame. Domingo à noite ir dançar no Interni, nas noites organizadas por Yannis Mayolidis e Nikos Vamvoukis. Quando sair do lugar, seja a hora que for, as ruas de Atenas estarão cheias.

Na estação de metrô Megallusmusik, com uma estudante de violino:

- Que é o grego que você mais admira?
- El Greco é uma mulher: Maria Callas.

1. Os gregos sabem criar mitos como ninguém. Um deles tem status de deusa. Uma deusa da mitologia grega: Maria – Kalougeropoulos – Callas.
A cantora, filha de imigrantes gregos, nasceu em Nova York em 1923.
Sua mãe separou-se em 1937 e voltou com a filha para a Grécia, para recomeçar a vida. Em Atenas, a futura diva começou seus estudos e cantou pela primeira vez, iniciando uma história conturbada e gloriosa. Transformou o canto lírico numa arte teatral, pregando a verdade e a intensidade emotiva. Suas cinzas estão no fundo do mar Egeu. Como tudo que é realmente grego, tornou-se patrimônio da humanidade. Imortal como Penélope, Hermes ou Afrodite, o maior mito do canto lírico amou durante anos outra figura dessa vasta constelação: o bilionário Aristóteles Onassis, que, mais tarde, em 1968, traria para os mares gregos outra deusa, a então viúva Jacqueline Kennedy. Mas essa, realmente, é uma outra conversa...

P.S.: Sim, eles aguardam uma tragédia (grega): lê-se numa plaquinha no elevador do hotel: “Se você é um médico, avise na recepção. A qualquer momento podemos precisar de você”.

REVISTA 00_2
2002
Alberto Renault
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Foto de Young Tom, Grécia, sem título.